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Até a FAB se alarmou com 'marcianos' no Brasil em 1971

  • Terra -

O povo de São Luís constatou, na manhã de 30 de outubro de 1971, que o fim do mundo tinha chegado. A capital maranhense era atacada por seres vindos de Marte, invencíveis e triunfais. Com um raio de calor, destruíam tudo e espalhavam terror e morte . Transmitida pela Rádio Difusora, líder de audiência na cidade, "em cadeia" com a Rádio Repórter, do Rio, também sob ataque, a "cobertura" do avanço dos invasores semeou pânico.

Muitos maranhenses foram para casa, para morrer com a família; outros buscaram igrejas para a hora do Juízo Final que chegava. Até um grupamento da Aeronáutica, que sobrevoava o município, alterou sua rota. A "invasão", porém, era uma adaptação de A Guerra dos Mundos (1898), do britânico H. G. Wells (1866-1946). Só havia marcianos na criatividade dos produtores. A emissora carioca não existia. A maranhense ficou fora do ar temporariamente. O episódio faz 50 anos neste sábado, 30.

"Uma esquadrilha da FAB de Belém/PA captou a notícia quando em voo sobre S.Luiz, retornando à sua base, muito embora se destinasse a outro local", afirmou em 8 de dezembro de 1971, em tom de irritação, o Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA).

Na Informação Nº 200, guardada no Arquivo Nacional, o CISA descreveu a crise. Segundo o documento, classificado originalmente como confidencial, o "programa chegou a dar minúcias da situação, anunciando que: EUA e URSS já estavam engajados na luta atômica; no Brasil, o Exército estava em prontidão, achando-se o 24º BC (S. LUIZ) recolhido ao quartel; um engenho de 30 metros de diâmetro caíra nas redondezas e uma nuvem de poeira começava a cair sobre a cidade". O texto informava que a "divulgação dessas notícias causou pânico em todo o Estado, tendo o Comandante do 24º BC recebido inúmeros telefonemas de pessoas aterrorizadas".

O programa do Maranhão provocou abalo semelhante ao gerado nos EUA 33 anos antes por sua primeira versão - na qual a Difusora se inspirou. Comandada, na véspera do Halloween de 1938, por Orson Welles (1915-1985), a produção americana entrou para a história por ter levado pânico sobretudo a Nova York e Nova Jersey. Com elementos locais, a realização maranhense tinha um pouco dessa adaptação que Welles fizera do livro de Wells. O escritor britânico era um socialista ligado à Fabian Society, defensora de uma estratégia gradualista para superar o capitalismo. A invasão extraterrestre era uma metáfora do colonialismo inglês. Na narrativa, o autor colocava os homens brancos e "civilizados" na situação dos povos - como africanos e orientais- dominados por invasores com tecnologias bélicas mais avançadas.Repórter transmitiu a própria 'morte' por raio de calor

Origem do relatório, o CISA era um órgão de repressão política ligado à Força Aérea Brasileira na ditadura militar O regime vivia então o seu auge, sob a presidência do general Emílio Garrastazu Médici, com tortura, desaparecimento e morte de opositores.

"Está todo mundo bem longe; professor Galvão (um entrevistado fictício) ainda está perto do objeto, examinando, examinando? mas isso me parece muito perigoso", narrou, na transmissão maranhense cheia de chiados, o repórter J. Alves. Muito conhecido e popular, ele fazia o papel de si mesmo e dizia estar no Campo de Perizes. Ali, um imenso cilindro teria caído do espaço, diziam boletins falsos da rádio. "A coisa estremece como se fosse soltar algo", disse Alves. "Tudo aqui por perto está começando a vibrar! É incrível, meus amigos! Está tudo se incendiando? Está saindo um jato de fogo do objeto? Está tudo se incendiando?"

A interrupção da transmissão sinalizou a tragédia: o jornalista teria morrido - heroicamente, no exercício profissional. O que foi "confirmado" pelo procedimento do locutor, que, inicialmente, chamou o repórter várias vezes, recebendo apenas estática como resposta. Depois disse, em tom dramático que, por motivos alheios à sua vontade, (os produtores) seriam obrigados a interromper as transmissões de Perizes.

"Ao que tudo indica, houve problemas com nosso repórter J. Alves e o técnico Heracias Bezerra", continuou o locutor. "Informamos às famílias desses companheiros que estamos tomando todas as providências, no sentido de trazê-los para São Luís, caso estejam acidentados. Pedimos a todos que se mantenham calmos, pois de nada vai adiantar o pânico."

Mais adiante, informou: "Somos obrigados, a partir de agora, a rodar música clássica". Na época, este era um sinal de luto na comunicação radiofônica. Ouve-se então a Sinfonia em Ré Menor, de Cesar Franck. Felizmente, era tudo mentira: não havia,claro, marcianos, e J. Alves estava bem vivo, longe de Perizes, em uma unidade móvel perto da Difusora. Mais: a chiadeira era proposital, um recurso dos técnicos. Dificultava o entendimento e dava mais realismo à fantasia.


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